sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

NA FÁBRICA
Na fábrica vive um mundo inteiro. Vivem olhos, todos. Vivem suspiros e resignações. Vivem sonhos. Ignorâncias. Vivem alguns audazes. Mãos hábeis, gestos mecânicos. Ombros e seus vários pesos. Pequenas mortes. Desencontros ternos. Dias seguintes. Fins de tarde recortados em janelas. Chuvas inteiras ampliadas nos zincos. Ausências. Regressos. Cumplicidades. Gente, muita gente. Gente inteira de pestanas tristes. Enfileirados. De tantas sortes. De alguns azares. Com uma vida inteira por viver. Uns com tempo, outros não. Gente dali. Gente daqui mesmo. Olhas para uma fila. São quatro. São muitos mais. O mais novo ainda tem esperança nos olhos. Cara franzida a fintar o destino. O de trás já sabe como é mas ainda acredita que saber como é serve para alguma coisa. A primeira senhora descobre todos os dias o mesmo e por breves momentos as mãos desistem e pousam no regaço. A jovem senhora atrás sofre ainda de um revés amoroso. Está ausente.
Na fábrica vive a vida inteira de um pequeno mundo.


quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009


DIÁRIO DA ÁRVORE
Lembrei-me de começar a falar com a árvore. Assim também lhe vou contando o que se passa onde lhe não chega a copa para poder ver. Pesando embora a minha convicção de que já lhe não vou dar grandes novidades. Ou ela a mim. Ver-se-á.
A árvore está ali. Consigo vê-la de onde escrevo, de onde me deito, de onde brinco ás cozinhas e ela vê-me a mim. Ou seja está sempre ali, como é habitual nas árvores. Está ali a ser árvore. Mas, ultimamente, olho para ela e começo a ter impressões diferentes. Para já, e de há algum tempo para cá tenho quase a certeza que está virada de frente para mim. As árvores hão-de ter frente. Se tiverem e eu não só acredito que sim como acho que merecem, a frente desta está virada para mim. Depois ultimamente parece que me acena quando me distraio muito tempo dela. Não deve gostar das temporadas em que pouso menos tempo nas janelas. Umas vezes abana-se muito e faz ouvir um rumor de folhas ( ou então é o vento ). Outras fica ali sob o sol resplandescendo em beleza. Chega a pedir ajuda á passarada para se fazer notada, em troca de abrigo e poiso, claro está (que isto até na natureza está pela hora da morte ). Devidamente acordada a transacção lá se põem os malandros a chilrear e nós - " ai que bonita é a natureza e tal..." mas é só ela a chamar.
Deve ter uns trinta anos. Mas de aspecto está mais nova. Um tronco elegante e claro. Os ramos, laterais a apontar para cima compactando-a em forma de gota. As folhas a imitar a forma maior. Gotas verdes a respirar viradas para o céu, para o sol. Quando está mais calor, tempo seco e de luz clara, aparecem-lhe umas manchas na casca quase branca. Sim a árvore tem sardas; e eu gosto muito.
Assim sendo vamos começar a falar. A olhar um para o outro, de frente. Vou tirar-lhe fotografias. Umas sem avisar. Tenho de lhe explicar que privacidade é dificil quando se é árvore.
Dá para perceber a esquizofrenia disto tudo. Enfim ela vai ser árvore e eu vou ser eu.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009


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Um registo digital de ideias de papel.