terça-feira, 16 de junho de 2009

SERIE POESIA REENCONTRADA

Os textos com esta designação são escritos que, já com algum tempo, estou a revisitar ... 
POESIA REENCONTRADA

Parem tudo! Parem!... apaguem a luz e desliguem o sol. Escondam a lua, arrefeçam as noites quentes, ponham uma musica triste e não façam barulho que eu estou a pensar em ti. Suspendam o mundo e a pressa, guardem todos os projectos nas gavetas, parem de trabalhar, sentem-se no primeiro balcão e fiquem a ver-me destilar a tua saudade. Desistam de tentar demover-me, com ardilosos métodos, deste meu estado. Deixem-me estar. Eu quero estar triste.

É injusto o mundo para com a tristeza. Retirou-lhe o espaço, roubou-lhe liberdade. Hoje em dia não é bom estar triste, não é saudável, não é moderno, não está de acordo com a norma. A boa disposição veio, galopante, tomar conta da infelicidade das nossas vidas. Já ninguém aceita estar triste. Já ninguém aceita por companhia esse estado de alma e quando alguém está triste logo o mundo se revolta e exclui e logo saltam os amigos em socorro do companheiro ferido pelo desgosto e a saudade. Parem!! Eu quero estar triste!! Porque a tristeza também se conquista, também tem uma luz própria a iluminar as manhãs. Porque estar triste é ser honesto com o coração sozinho. É adormecer ofegante com os desejos reprimidos.

Parem tudo. Façam silêncio. Eu estou triste. Tenho saudades tuas ou de alguém. Sinto a tua falta. Leio poemas seguidos e são todos sobre nós. Passam as horas em que tu não estás e o tempo volta para trás, para antes de ti. Estou triste. Amarrotado. Sozinho. A navegar pelas águas, traiçoeiramente tranquilas, da minha tristeza. Demasiado ocupado com a tua memória para me lembrar sequer de continuar a viver. Aqui, mais ou menos, firme, a sentir a tua ausência.

Respeitem a minha tristeza. Não digam nada. Não minimizem o sofrimento com a trivialidade dos dias. Vocês sabem lá o que é estar triste. Nunca se permitiram a vocês próprios. Nunca se deixaram consumir pelo fogo lento da saudade. Nunca se encostaram na esquina de uma rua qualquer a ver o amor a desatar. A desatar a fugir. Para longe, para ficarmos a vê-lo existir sem nós só á distância do olhar e do carinho.

Porra! Deixem-me ser triste e melancólico. É assim que sou. A minha tristeza presta homenagem aos meus amores perdidos. É um tributo á minha felicidade momentânea. É parte do próprio amor. É o palpitar constante no peito. É o choro sem razão nenhuma para além do sabor salgado das lágrimas.

Estar triste não é o fim do amor é a constatação do mesmo. É amar tanto que dói. Querer tanto que se torna impossível. É humano e poético. Magoa, custa tanto como crescer, mas tem de ser.

Estar triste é ter a certeza de ter amado. É a alma a gritar por ti.




POESIA REENCONTRADA
Um dia morro
Aflito de vontades
um dia subo esse muro
e atiro-me para cima de outra vida qualquer;
rebolo-me nos medos e nos cheiros desse outro Universo,
afogo-me nas lágrimas dessas outras pessoas,
respiro-lhes o sangue e o sexo,
roubo-lhes as memórias suaves,
usurpo-lhes os dias felizes
e
Lentamente
deixo-me invadir por tudo o que nunca foi meu.

( Nesses dias só vou ter medo que me faltem as saudades da outra vida que ficou para trás. )