quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009


DIÁRIO DA ÁRVORE
Lembrei-me de começar a falar com a árvore. Assim também lhe vou contando o que se passa onde lhe não chega a copa para poder ver. Pesando embora a minha convicção de que já lhe não vou dar grandes novidades. Ou ela a mim. Ver-se-á.
A árvore está ali. Consigo vê-la de onde escrevo, de onde me deito, de onde brinco ás cozinhas e ela vê-me a mim. Ou seja está sempre ali, como é habitual nas árvores. Está ali a ser árvore. Mas, ultimamente, olho para ela e começo a ter impressões diferentes. Para já, e de há algum tempo para cá tenho quase a certeza que está virada de frente para mim. As árvores hão-de ter frente. Se tiverem e eu não só acredito que sim como acho que merecem, a frente desta está virada para mim. Depois ultimamente parece que me acena quando me distraio muito tempo dela. Não deve gostar das temporadas em que pouso menos tempo nas janelas. Umas vezes abana-se muito e faz ouvir um rumor de folhas ( ou então é o vento ). Outras fica ali sob o sol resplandescendo em beleza. Chega a pedir ajuda á passarada para se fazer notada, em troca de abrigo e poiso, claro está (que isto até na natureza está pela hora da morte ). Devidamente acordada a transacção lá se põem os malandros a chilrear e nós - " ai que bonita é a natureza e tal..." mas é só ela a chamar.
Deve ter uns trinta anos. Mas de aspecto está mais nova. Um tronco elegante e claro. Os ramos, laterais a apontar para cima compactando-a em forma de gota. As folhas a imitar a forma maior. Gotas verdes a respirar viradas para o céu, para o sol. Quando está mais calor, tempo seco e de luz clara, aparecem-lhe umas manchas na casca quase branca. Sim a árvore tem sardas; e eu gosto muito.
Assim sendo vamos começar a falar. A olhar um para o outro, de frente. Vou tirar-lhe fotografias. Umas sem avisar. Tenho de lhe explicar que privacidade é dificil quando se é árvore.
Dá para perceber a esquizofrenia disto tudo. Enfim ela vai ser árvore e eu vou ser eu.

2 comentários:

  1. Em tempos também tinha uma árvore que me espreitava á janela do meu quarto. Era um castanheiro já idoso centenário talvez! Mas embora a diferença de idades amávamo-nos e quando me apetecia abraçava-a, até onde podia, pois o seu tronco era enorme, e conversávamos. Um dia parti. Mudei de casa. Quando voltei por lá a passar os actuais donos da casa tinham-na abatido! Porquê não sei. Será que ela secou por sentir a falta do meu amor? Não sei mas chorei por ela.

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